sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Palavras de quem, para quem?



Na madrugada, correndo contra o tempo para entregar o meu Pré-Projeto (em breve falarei sobre ele), tenho uma surpresa no livro de Nilson Lage, alocado na biblioteca da UnB. Ainda que em perfeita condição, o livro apresenta alguns escritos em diversas passagens. Até aí, normal. Coisa de estudante...

Mas quando chego na última página, me deparo com dizeres. É como um diário, com revelações e sentimentos sobre o livro. Uma super coincidência, já que essa semana mesmo ouvi uma matéria sobre dedicatórias. Mas nesse livro não consta a quem é o texto, talvez nem o próprio autor soubesse. De cara, alguma semelhança com o meu blog. Talvez essa fosse uma solução para o Robson. Lá vai o texto dele:

"Terminei o livro hoje, 17/05/04. Gostei bastante. Sinto que estou crescendo intelectualmente. Concursos públicos, academia, empresariado. Tudo isso me aguarda. Eu sei.

Estou trabalhando 6h diárias no BRB. Estou aprendendo a não odiar o banco. Acho que estou aprendendo a ser mais feliz. Tenho mudado.

É véspera de carnaval. Um amigo especial, Zé Reynaldo, está viajando p/ o RJ. Sinto fala dele. Ele é 10 anos mais velho que eu (tem 34) e está me ajudando em muitas coisas. Daqui 2 semanas entro de férias. 2 semanas de descanso. Pena eu ter o concurso da Infraero, Radiobrás e STJ para fazer neste tempo. Ah, depois eu viajo. Preciso fazer uns ajustes na minha vida. É chegada a hora.

Adorei o livro. É um marco do meu retorno ao processo cognitivo. Estou gostando dessa história de bibliografia.

Robson 23h do dia 16/02/04"

O tempo, para Robson, parece que não faz sentido. Quem sabe eu não o descubro em próximas edições?

Agora tenho um novo hobbie: procurar Robson nos livros.

domingo, 26 de setembro de 2010

Tragédia X Emoção

Nunca me imaginei na área do jornalismo policial. No início o que mais me incomodava era ter que ver os "presuntos" na rua. Não conseguia entender como as meninas da redação conseguiam fazê-lo com naturalidade. Perguntei para elas, e a resposta me surpreendeu mais ainda.

- Na verdade, a gente torce para chegar a tempo de ver o corpo. A história rende muito mais - me explicaram.

Na minha cabeça, isso nunca seria possível. Grande erro! Hoje em dia, ao receber a notícia de um presunto, já saio correndo para o transporte e aviso o motorista que temos que ir voando, para chegar antes da perícia.

A história rende quando pegamos o corpo estirado porque conseguimos aspas de testemunhas, familiares, culpados, fontes oficiais - indispensáveis para uma boa matéria. A emoção de ver um cadáver fica para depois, quando a cabeça para de borbulhar com perguntas que não podem ser esquecidas.

Mas as vezes a própria emoção nos trai. No costume da rotina, fui cobrir um homicídio. Havia acabado de acontecer e as únicas informações que tinha era o local do crime e a de que a vítima era um homem.

Chegando lá, o cenário de sempre. Carros de polícia cercando a área, o corpo coberto com um pano ensanguentado e curiosos olhando. Nada fora do comum. A primeira informação que obtive foi a de que no chão estava um morador de rua. Logo fiquei desapontada quando soube quem era a vítima. Moradores de rua normalmente não têm família, casa ou até mesmo nome. A matéria não ia render, temia.

Mas ao me aproximar percebi que ali havia uma grande história. Assim que desci do carro, uma mulher veio pedir para eu fazer uma matéria linda sobre ele. Logo a frente, pessoas choravam. "Você viu o que fizeram com o nosso amigo", lamentavam entre eles. Por todos os lados chegavam moradores da região para acreditar com os próprios olhos no que havia acontecido.

Conversando com as pessoas, entendi o episódio. Shaolin, como era conhecido por todos, há muito tempo morava em uma parada de ônibus da região. De dia andava pela cidade pedindo dinheiro e catando latinhas. Com suas lutas de kung-fu - daí surgiu o apelido - brincava com as crianças e era ajudado e querido pelos moradores. Ninguém se incomodava com ele - exceto um senhor de 82 anos.

Shaolin, quando bebia, gritava e cantava. O senhor ficava bravo, há tempos o ameaçava. Naquela tarde, enquanto Shaolin lutava um alegre kung-fu cambaleado no meio da rua, o senhor saiu de casa com uma peixeira escondida dentro da calça. Facilmente encontrou o morador de rua e desferiu diversos golpes contra ele. O lutador não conseguiu vencer, morreu na hora. O acusado de 82 anos teve que ser escoltado por policiais. Enfurecida, a população queria linchá-lo.

Enquanto ouvia a história daquele morador de rua, mais pessoas chegavam. Contei pelo menos umas duzentas, número que aumentava por todo o tempo que fiquei no local apurando as informações. Pessoas e mais pessoas que provavelmente largaram o trabalho para dar o último adeus a Shaolin. Até o padre da igreja mais próxima foi se despedir e abençoar com suas próprias lágrimas o corpo daquele que alegrava a comunidade com sua presença e simplicidade.

Pela primeira e única vez, voltei para o jornal com um nó na garganta. Mesmo sem conhecê-lo, Shaolin tornou-se querido por mim também. Me admirou a capacidade que teve de conquistar tantas pessoas simplesmente com brincadeiras, palhaçadas e lutas. A essência dele era ser ele mesmo. Com nada no banco e uma parada de ônibus emprestada, Shaolin conseguiu ter o mais sincero carinho de centenas de pessoas. Coisa rara hoje em dia, não?!

domingo, 4 de julho de 2010

Medo na delegacia

Após seis meses trabalhando em uma redação, cobrindo principalmente polícia, o que mais me perguntam é se eu não sinto medo. "Como você consegue, Mamá? Você é tão meiga..." Para falar a verdade, nem eu sei como consigo. Apenas faço o meu trabalho.
E sim, nesse tempo já vi de tudo - ou quase. Às vezes surgem umas histórias verdadeiramente bizarras.

E foi em um lugar onde eu deveria estar segura que eu senti medo. Medo mesmo. Suei frio, tremi e gaguejei. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo, e não tinha para onde correr.

A história, basicamente, foi a seguinte. Um senhor de 62 anos foi assassinado por dever mais de mil reais a uma boca de fumo, e no dia em que morreu tinha ido ao local buscar mais crack. Revoltados, os traficantes decidiram eliminá-lo. Mataram o homem em uma estrada, e voltaram dirigindo o carro dele. Horas depois os policias abordaram o trio.

Lá fui eu conversar com o delegado para saber o que havia ocorrido e fotografar o preso. Segundo o delegado, inicialmente só conseguiram prender um dos suspeitos, de 16 anos. E, depois de uma sabatina, ele teria dedurado os outros dois, dos quais um foi encontrado e preso.

Questionei se as informações do jovem eram o suficiente para prender alguém, já que não havia provas concretas. O doutor me garantiu que sim, já que as informações do menor batiam com as da perícia. "Então tá. Cadê ele, posso fotografar?" Eu não imaginava que o pior estava por vir.

Na sala, apenas eu, o delegado, um PM e o preso.

- Você pode virar de costas, por favor? - pedi para o acusado.

- Ô jornalista, não precisa ser educada com ele não - retrucou o delegado.
E aí o clima esquentou.

- Quer ver? Fala pra ela se você apanhou nessa delegacia! - disse o Dr., em voz alta.
- ...
- Fala pra ela! Você apanhou muito ou pouco nessa delegacia? - gritou, dessa vez.
- Foi... foi muito, doutor. - respondeu o preso.
- Então agora você vai apanhar mais - avançou o delegado.

Eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Sei que o cara errou, mas eu não queria e não merecia vê-lo apanhando. Comecei a tremer, a suar. Não sabia o que fazer. Com a mão do delegado a poucos centímetros do rosto do preso, eu gritei.

- Não faz isso!, com o meu bloquinho em frente ao rosto.

O delegado parou e começou a rir. Não tive coragem de olhar para o preso. Me sentia tão humilhada quanto ele. Fui embora rapidamente e no caminho do jornal xinguei o delegado de todos os nomes.

Escrevi a matéria, passei as fotos e fui embora. Era uma sexta-feira e fui direto para uma festa. Assim que estacionei, meu celular tocou. O número era da delegacia. Atendi desconfiada.

- Oi Marcela, é o Dr. Fulano (prefiro não dizer o nome por aqui). Olha, você tem uma boca, hein?! Depois que você foi embora, parei para pensar se o adolescente tinha falado a verdade e fui pressioná-lo. Aquele cara que eu apresentei não é o acusado não, tá?

Demorei um tempo para responder. Eu não estava acreditando.

- Tudo bem, doutor. Vou avisar para a minha chefe. Obrigada.

Liguei para a chefe e fiz as devidas correções.
Na matéria iria sair o nome e a foto de quem não tinha culpa de nada, e ainda, para piorar, tinha apanhado por nada.

O pior do jornalismo é que dependemos das informações dos outros para escrever uma matéria. Nós não vemos o que aconteceu, apenas ouvimos falar. Infelizmente, esse é o nosso trabalho. Mas, pior ainda, é ter que aceitar de boca fechada situações tão revoltantes como essa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Me aproximando de um outro mundo

Apesar de adorar fotografia, admito ser péssima no assunto. Enquadramento, iluminação, profundidade...não consigo ter toda essa noção na hora "do passarinho". Mas, das longas horas de Introdução à Fotografia e de Fotojornalismo, uma frase de um fotógrafo de guerra eu não me esqueço:

Se uma foto não está suficientemente boa, é porque você não se aproximou suficientemente do fato (Robert Capa).

Nessa minha saga de jornalista policial, ou quase de guerra, percebo que a frase de Capa deve ser vista como regra no meu dia a dia. E é aí onde eu encontro a minha maior dificuldade.

Conversar com artistas, políticos, coordenadores ou manifestantes é fácil.
Difícil é se aproximar de quem acabou de ser preso, que acabou de matar alguém, que teve o filho baleado ou viu o marido ser assassinado.

Eu ainda não consigo ter essa frieza e distância de perguntar o que aconteceu sem, de alguma forma, acabar me envolvendo. Para falar a verdade, não sei se um dia terei essa capacidade.

O fato é que, me envolvendo ou não, eu tenho que me aproximar.

Em mais uma fatídica sexta-feira, eu fui cobrir a prisão de três homens que tentaram assaltar um depósito de gás em Samambaia. Chegando lá, a cena clássica: policiais de peito estufado e sorriso de missão cumprida, repórteres e fotógrafos, as vítimas do assalto e os três rapazes espremidos dentro do camburão.

Primeiramente, conversei com o policial para saber com detalhes o que havia acontecido. Parando aí, a matéria estaria quase pronta. Talvez faltaria só falar com o dono do local para pegar umas aspas e confirmar as informações. Mas me lembrei da exigência de se aproximar ao máximo, e pedi licença para conversar com os adolescentes.

Lá fui eu. Ao meu lado, o policial. A minha frente, os três rapazes dentro de um camburão extremamente fedido. Nessas horas, o que perguntar? Na minha cabeça não vinha nada. Só sabia que, independente de com quem se está falando, o jornalista deve sempre ser educado e respeitoso.



Cheguei me identificando e pedindo licença para uma conversa. Para a minha surpresa e sorte, os meninos queriam conversar. De primeira perguntei se eles sabiam que tinha gente dentro do depósito.

A conversa evoluiu de tal modo que eles me contaram com tremenda naturalidade que a ideia não era assaltar o depósito, e sim usá-lo como um esconderijo. Os três teriam saído de casa para matar o namorado da irmã de um deles, que teria batido nela. Neste momento o policial mandou eles pararem de mentir, afirmando que queriam assaltar sim, e que inclusive entraram pedindo dinheiro e fazendo os donos de refém.

Confirmei o fato com os donos do estabelecimento, e admito quase ter acreditado na história que seria até bonita se não fosse tão absurda. Me chocou a naturalidade que três jovens de 18 e 22 anos falavam em matar alguém.

Independente se a história era inventada ou não, acredito que o papel do jornalista é contar o que viu e ouviu - sabendo definir o que era verdade e mentira. Na matéria escrevi a versão dos meninos, e enfatizei o que confirmaram os donos e policiais. Acho importante essa aproximação não somente para enriquecer a matéria, mas para, de alguma forma, dar voz àqueles que dificilmente terão algo a dizer.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Uma pequena pausa

Em uma noite cheia de correria, Gabriel García faz o tempo parar.

"É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem saber ver."

Um viva para ele!

E voltemos aos trabalhos...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A primeira vez a gente não esquece

A ideia de criar um blog é antiga, mas até então estava faltando um fator motivador.
Eis que estou em plena sexta à tarde, sonhando com a chegada do fim de semana, quando abrem a porta:

- Homicídio no Riacho Fundo, quem vai??

Olhei para os lados, na agonia de não me escolherem com a ânsia de ter de enfrentar pela primeira vez algo que, infelizmente, fará parte da minha rotina, e disse:

- Eu vou. Hoje é o meu dia de ronda policial mesmo...

E fui.
Chegando lá, após pegar trânsito e chuva, que faziam o coração disparar cada vez mais, logo avistamos um carro da polícia e umas cem pessoas olhando o homem baleado no chão. O que será que as pessoas veem de tão interessante? O que eu menos queria era olhar! Mas mesmo assim, pessoas de todas as idades, sexo e classe social ficavam lá, apenas olhando. Os olhos não demonstravam dor, nojo, medo e tampouco pena. Apenas olhavam. Que coisa...

Enfim, desci do carro e fui correndo ao local do crime. Conversei com as pessoas que estavam lá, depois fui à administração da pequena cidade, conversar com mais fontes, e segui rapidamente para a delegacia.

Lá estavam mais dois jornalistas, e nessa hora me senti super gente grande, realizando o sonho de cobrir a minha primeira pauta. Quando apareceu o delegado, então, me senti uma profissional. Mas creio que o meu gaguejar e o olhar certamente esbugalhado denunciavam a minha total inexperiência naquilo.
Conversar com o delegado foi tranquilo. Consegui acompanhar o ritmo da mini coletiva e até fazer umas perguntas.

Difícil mesmo foi conversar com a esposa da vítima. Não sabia como abordá-la. A vontade era de dar um abraço e dizer que sentia muito, mas tinha que manter o profissionalismo. Ao mesmo tempo tinha vontade de ir embora sem falar com ela. Que invasão de privacidade tentar arrancar informações de quem acabou de se tornar viúva!

Mas o jornalismo falou mais alto e eu fui, junto com os outros jornalistas.
Nela eu vi o olhar que esperava encontrar. As lágrimas, travadas pela dor, não desciam. A voz, rouca, não ecoava o grito que deveria explodir dentro dela. O único consolo era o cigarro, que logo tragaria em breves puxadas.

Trabalho feito, voltei pra redação, escrevi e fui embora.

Tentava disfarçar que o estômago embrulhado era fome, e que os olhos cheios de lágrima eram sono. Mas, como quem não chora, não mama, eu continuo na ralação. Torcendo, embora seja inevitável, para que aquele dia não se repita tão cedo.

Link da matéria: http://migre.me/hAcH